Ele nasceu sem poder ver as luzes e as cores, mas ao longo da vida construiu lindas paisagens sonoras. Aos 31 anos, o pianista carioca Luiz Otávio é um dos mais talentosos músicos de sua geração. E conversa com o blog da Audima sobre sua carreira e os desafios da inclusão digital e acessibilidade das pessoas com deficiência visual. “A acessibilidade é mais simples do que se imagina, mas, ao desenvolver um produto ou serviço, as pessoas precisam partir do princípio de facilitar a vida das pessoas e não ter de consertar ou adaptar o que já está feito”, defende.
Luiz Otávio toca desde os quatro anos de idade, quando já tirava as primeiras notas musicais em um piano de brinquedo no Instituto Benjamin Constant – escola especializada no ensino para pessoas cegas no Rio de Janeiro – onde passou a maior parte da infância e adolescência.
Cego de nascença em função de uma toxoplasmose que sua mãe contraiu durante a gravidez, Luiz Otávio foi encaminhado ao instituto bem cedo, com cerca de sete meses de vida. “Fui para lá fazer o que se chama de estimulação precoce, um processo voltado aos bebês para que possam adquirira as primeiras noções espaciais e das formas”, explica.
A esse estágio seguiu-se a educação formal, com alfabetização em braile e iniciação musical. Além do piano, interessou-se por outros instrumentos que toca até hoje como o violão, a guitarra e o contrabaixo elétrico. Embora dominasse o braile, não fez uso das partituras em relevo por muito tempo. “Mas são muitos os casos de músicos cegos que cursam a faculdade por meio dessa musicografia”, conta. Quando se fala em músicos cegos é comum as pessoas se lembrarem de Ray Charles ou Stevie Wonder, dois grandes pianistas, mas Luiz Otávio garante que uma pessoa cega pode tocar qualquer instrumento desde que demonstre aptidão para ele e estude. “Todo mundo pode tocar de tudo. Não existe um instrumento mais ou menos indicado para os cegos. Música é música”, aponta.
O período de educação no Benjamin Constant foi interrompido por dois anos para uma experiência numa escola convencional em Campo Grande, bairro em que morava. “A experiência não deu certo. Havia pouco material didático em braile e por mais que professores e funcionários se esforçassem em ajudar, não eram treinados o suficiente para lidar com alunos cegos. Ao voltar para o Benjamin Constant, precisei repetir um ano.
Luiz Otávio começou a cursar o ensino médio na unidade São Cristóvão do tradicional Colégio Pedro II. “É uma escola preparada para nos receber, tanto que alunos do Benjamin Constant eram transferidos para lá para cursar o Ensino Médio. Por estar envolvido profissionalmente com a música, Luiz Otávio acabou concluindo esta etapa de sua formação num supletivo.
Na adolescência, já havia descoberto a música instrumental e dedicou particular interesse pela Bossa Nova e pelo jazz. Participou de alguns programas de TV como Domingão do Faustão e Programa Especial, ambos da TV Globo. Fez parte da banda do programa Adnight também da mesma emissora, além de tocar com cantores consagrados da MPB como Leny Andrade, João Bosco e Marcelo D2.
Revolução Digital
E viver de música toma muito tempo. Além de tocar, estudar e ensaiar, trabalha com produção musical e mixagem. Nada disso seria possível não fosse a chamada revolução digital. “As novas tecnologias vieram agregar cada vez mais, abrindo campos de trabalho”, comenta.
Esse estilo de vida afastou o músico do braile. “Hoje em dia meu trabalho é 100% no computador ou no celular. Não uso o braile para mais nada, mas isso é uma particularidade minha, pois sei que muita gente usa”, observa.
Luiz Otávio é o que podemos chamar de um usuário avançado dos dispositivos de leitura de tela para computadores e telefones. “Funcionam bem, mas ainda deixam um pouco a desejar na descrição de imagens. Os desenvolvedores de sites se preocupam muito com o aspecto visual, o que é compreensível. O que falta a elas é uma visão mais abrangente. Quer um exemplo? Textos ou links inseridos dentro de imagens não são reconhecidos pelos leitores de tela e isso vai dificultando a nossa vida, o nosso acesso à informação, ao conhecimento”, conta ele que reconhece o quanto a inclusão digital é necessária. “Eu faço praticamente tudo, desde movimentar uma conta bancária por aplicativo até tirar uma foto sozinho. Eu mesmo fiz alguns vídeos tocando de casa nesta pandemia usando o telefone”, revela. “Penso muito nisso, pois vivemos essa realidade no dia-a-dia. Me dá medo que a palavra inclusão, seu conceito, caia na banalidade. A gente precisa realmente incluir, pensar nas pessoas. Um cara que desenvolve um micro-ondas precisa entender que uma pessoa cega que mora sozinha pode precisar usar o equipamento e nessa hora um display touch-screen, por mais maravilhoso que seja, não serve para nós. O mesmo vale para uma construção cheia de degraus que impede o acesso por cadeira de rodas. Inclusão é isso”, diz.
Ao comentar as soluções de acessibilidade digital da Audima, Luiz Otávio destaca a amplitude e valor social da iniciativa. “É um trabalho importante e necessário, capaz de resolver os problemas vividos por muita gente”, destaca o músico, que elogiou a qualidade das vozes utilizadas nos sites que carregam os textos da empresa. “Gostei da entonação de uma das vozes femininas, foge bastante daquele padrão mecanizado. Para Luiz Otávio, a experiência do deficiente visual com a forma que conteúdo de internet é apresentado acaba se tornando decisiva. “Quando estou em busca de informações na internet e me deparo com um site não acessível, acabo deixando ele pra trás e dificilmente retornarei a ele”, completa.